PAISAGENS IDEOLÓGICAS. O tempo das Colónias Agrícolas em Portugal.
O tempo das colónias agrícolas atravessa séculos. Ainda que a designação possa ter mudado, as ideias e as ações repetem-se: reunir família, casa e terra. Em diferentes épocas e geografias, a criação de colónias agrícolas surgiu como modelo para promover o povoamento, a divisão da propriedade e a produtividade. Olhar para o passado contribui para esclarecer como essas colónias foram construindo paisagens ideológicas, que continuam a definir territórios, quotidianos e memórias.
Esta exposição mostra as mais recentes iniciativas implementadas pelo Estado, em Portugal. Entre as décadas de 1940 e 1950, a Junta de Colonização Interna (JCI) procurou estabelecer um novo tipo de camponeses, em novos casais (designação inclui família, casa e terra), associando-os a ambiciosos objetivos de transformação social e económica. Desde o século XVII, os ideólogos das colónias agrícolas indicavam que a prioridade deveria ser povoar e cultivar o Alentejo. Essa pertinência foi reforçada nos séculos seguintes, por intelectuais e políticos portugueses tão prestigiados quanto Oliveira Martins, Ezequiel de Campos ou Eugénio de Castro Caldas. Contudo, evitando os dissabores de expropriar os grandes proprietários, não foi no Alentejo que o Estado Novo desenvolveu estes projetos.
As intervenções da JCI realizaram-se maioritariamente no Norte e Centro de Portugal, com apropriação de baldios ou recorrendo a terrenos que já eram propriedade do Estado. Afinal, as colónias agrícolas, com apenas uma exceção, acabaram por surgir em regiões que, na época, ainda eram densamente povoadas. Os novos casais foram implementados nos concelhos de Montijo, Leiria, Ílhavo, Sabugal, Vila Pouca de Aguiar, Montalegre e Paredes de Coura. Percorrendo os arquivos e as ruas em 2021, as fotografias apresentadas oferecem diferentes visões das mudanças.
Cada colónia, que poderia ter vários núcleos residenciais, foi articulada entre espaços privados e públicos. Os edifícios destinados à utilização privada dos colonos eram formados por três zonas: uma para residência da família, uma para os animais e outra para armazenamentos (desde ferramentas a rações), rodeados por um logradouro. Havia quase sempre instalações de uso coletivo nas proximidades: escolas, igrejas, centros de formação e assistência técnica, armazéns, fontes, tanques, fornos, entre outros. A par de uma área com floresta, os casais tinham parcelas de terra para cultivar e acesso a alguma de água. Ainda assim, tal como nas antigas aldeias vizinhas, predominam tanto o sequeiro, como os cultivos habituais: se no Norte se preferia batata, centeio e milho, no Centro podiam ser acrescentados vinha, oliveira, laranjeira e um pouco de trigo.
Tanto na componente rústica quanto na urbana, essas colónias visavam reinventar a vida rural em consonância com ideais de ordenamento e eficiência semelhantes a outros projetos modernos de engenharia social. As metas de produção e as regras de conduta foram rigorosamente vigiadas durante a ditadura do Estado Novo, o que é lembrado pelos habitantes com alguma mágoa: como se os técnicos da JCI nunca tivessem sido capazes de reconhecer quanto estavam sujeitos ao trabalho árduo, a amplas privações e à imprevisibilidade das colheitas.
Separadas por mais de 50 anos, estas imagens testemunham o tempo dos habitantes. Os que começaram a desbravar terras inóspitas e acabaram por ficar. Os que desistiram ao perceber que nunca chegariam aos níveis de produtividade planeados pelos técnicos da JCI. Os que ocuparam casais abandonados pelo êxodo que tem despovoado os campos. Os que herdaram os casais mas nunca regressaram, deixando casas e colheitas em colapso. Os que continuaram cultivando e multiplicaram as construções ao redor. Os que adaptaram as casas de acordo com gostos ou necessidades. Muitos casais permanecem habitados. Outros nem isso ou desaparecem mesmo.
A ideia de colónia agrícola ainda existe. Algumas tornam-se bairros suburbanos, outras foram dilapidadas por barragens, a maioria está suspensa entre residentes envelhecidos e ocupantes ocasionais. Se novas aldeias começaram por ser estranhas ao ambiente em que se inseriram, parecendo “vila-jardim”, “fazenda radiante”, “Paris rural haussmaniana” ou “vila suburbana”, o tempo continua a desafiar essas marcas modernas na paisagem.
